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Foto do escritorpdgonzaga

Buenos Aires, HORA:ZERO | N.13



1. O brasileiro sem carnaval é um mistério. Aos olhos dos outros, estamos condenados à alegria, a um deambular manemolente, e é mais fácil nos cassarem a nacionalidade do que lidar com as gigantescas diferenças regionais e individuais que nos tocam e nos separam sob uma bandeira abstrata.

2. Por ser minha alegria mais íntima, minha fala mais mansa, meu silêncio sobre o futebol mais suspeito (como explicar que meu time é hoje um amontoado de cabeças de bagre na divisão de acesso) o garçom do meu café de predileção — não se pode ser portenho sem um desses sítios — apodou-me “o brasileiro tranquilo”. Era um chiste, mas senti-me de algum modo defraudada minha camuflagem.

3. O brasileiro tranquilo. Cogitei apresentar-lhe os atestados de minhas ansiedades, os atoleiros pátrios que não secam e que carregamos conosco. Era um chiste, mas me intranquilizei.

4. Quando jovem tive certo orgulho de mascarar minha cidadania, um orgulho tão bocó quanto o de alardeá-la ao pisar em qualquer solo estrangeiro.

5. Com o real forte na Argentina, constrange-me nossa atual vocação imperial, novos ianques a acreditar que seus problemas importam mais que os dos outros, quando não os da América Latina inteira; a insistência em só falar em português, as presepadas várias que um dia talvez tenham sido graciosas, mas hoje são só grosseiras.

6. Podia lançar mão de exemplos, mas quem faz isso são livros didáticos.

7. Ao mesmo tempo, é certo também esperarem de nós os mesmos requebros, que sejamos uns compulsórios emissários de um país feito uma praia ou uma floresta ou uma bunda, ainda que já não se possa dizer isso de um modo explícito.

8. Estar condenado à alegria cansa, quero dizer a eles, e também que a tristeza do Brasil é imensa. E que talvez haja alguma nobreza em almejar essa tranquilidade que nos querem sonegar.

9. Nisto fazem dobradinha com muitos de meus irascíveis compatriotas. É uma alienação, bradam, querer estar tranquilo diante de (preencha com o complemento da vez).

10. A tranquilidade é uma busca, tensionada abaixo da superfície plácida.

11. A denúncia é uma certeza, serenada abaixo da superfície revolta.

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